Psicoterapia

Psicoterapia de orientação psicanalítica, o que é afinal?

Se você ouve, lê e pesquisa sobre a Psicoterapia de orientação psicanalítica e permanece com dúvidas em relação ao processo. Este artigo pode acrescentar aos seus conhecimentos, te ajudar a compreender melhor e quebrar tabus.

Psicoterapia de Orientação Psicanalítica, o que é Afinal?

Nós e a Psicoterapia na cultura atual

Na cultura contemporânea muito se pensa, se fala e se ouve sobre o processo de Psicoterapia. O que é? Como é? Mas o que faz uma (o) Psicóloga(o)? E o que se conta a(o) Psicóloga(o)? Como se comportar no processo de Psicoterapia? Há uma diversidade de questões postas. Hoje em dia há até certa fetichização no discurso popular sobre a necessidade de todo ser humano realizar ou buscar pelo processo de Psicoterapia. Entretanto, Sigmund Freud já sinalizava em sua época, que tal procedimento não se aplicava para todos. Em referência aos que seriam imprestáveis para a análise, Freud falou dos indivíduos que tudo atribuem à doença:

... deve-se reparar no valor da pessoa em outros aspectos e recusar os pacientes que não possuam certo grau de formação e um caráter razoavelmente digno de confiança. Não se deve esquecer que há também pessoas sadias que não prestam para nada, e que com excessiva facilidade, em se tratando desses indivíduos de valor reduzido, tende-se a atribuir à doença tudo o que os incapacita para a existência, quando lhes ocorre mostrar algum laivo de neurose. - Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Volume 7.

O profissional de Psicologia no Brasil

A profissão de Psicóloga (o) no Brasil foi regulamentada em 1962, e nesse ano completa-se 60 anos. A entidade responsável pelo acompanhamento da profissão no país é o Conselho Federal de Psicologia e seus Conselhos Regionais, criados em 1971. O sujeito chega com todas as suas queixas, preocupações, incômodos e angústias no setting terapêutico, clamadas e dirigidas ao profissional da Psicologia. Todavia, a(o) Psicóloga(o) também experimenta certa angústia no início do processo de Psicoterapia, entretanto, é isso que vai fazer com que o tratamento ande.

O processo de psicoterapia

O processo de Psicoterapia demanda muito empenho e dedicação do sujeito que o procura, mas o Psicoterapeuta também vai ser ativo nesse processo. É necessário que ele disponha de uma escuta atenta, esteja presente de corpo e alma nos atendimentos (se anulando enquanto sujeito) e ser cuidadoso nas colocações, por diversas questões, uma delas refere-se ao fato de que muitas vezes o sujeito não está preparado para ouvir certos apontamentos em determinados momentos.

A(a) Psicóloga(o) não é mais um médico

Por vezes, algumas pessoas, carentes de informação e conhecimento, buscam o profissional da Psicologia com a crença de estar diante de mais um médico, ou ainda, de que tal profissional também opere sobre a lógica do discurso médico. Aquela de que sabe o que você tem e o que é melhor para você. E quando se deparam com o oposto, não retornam, sequer dão sinal de vida. Na cultura atual, seja por falta de conhecimento ou pela ignorância de acreditar possuí-lo, algumas pessoas não querem ter que se ocupar de pensar, não se esforçam em colocar a mão na massa (e/ou nas angústias) e construir os seus caminhos, preferem insistir na busca pela receita pronta, e de marchar cegamente atrás de algum tipo de mestre que aponte, guie, mastigue e sirva.

A Psicanálise

Na psicologia, existem várias orientações teóricas a serem utilizadas como bases e aplicadas na prática profissional. E cada profissional decide qual orientação deseja seguir, por suas razões e motivos pessoais. Uma dessas variadas orientações é a Psicanálise, teoria vasta e complexa, criada por volta do século XVIII, por Sigmund Freud, um judeu e médico neurologista da época. Essa teoria que se debruça sobre o estudo da mente humana, no geral, considera e trabalha com conceitos fundamentais como: o inconsciente, a sexualidade humana e a infância.

O inconsciente

Mas esse tal de inconsciente é o quê? Freud localiza o inconsciente não como um lugar anatômico (algo fixado e encontrado em uma parte do corpo humano), mas um lugar psíquico, subjetivo, com conteúdos, mecanismos e uma energia específica. O psicanalista Francês, Jacques Marie Émile Lacan, pontuava que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. É o lugar onde a fala transferida é mobilizada. E esse inconsciente se manifesta tentando se comunicar através dos sintomas (tudo aquilo que tem nome e a psiquiatria moderna é especialista nisso), dos sonhos e seus relatos, dos atos falhos (as palavras trocadas), dos chistes (as brincadeiras em tom de verdade), dos lapsos de memória (aquela lembrança geralmente da infância que vem à consciência do nada) dentre tantos outros erros cotidianos.

O discurso psicanalítico e 2022

Como já supracitado, nem todos suportam o processo de Psicoterapia de orientação psicanalítica, pois a psicanálise caminha na contra mão do discurso vigente no mundo contemporâneo. Discurso este que oferta várias opções de bem estar para tamponar algo tão característico, singular, primitivo, comum e incômodo a todo ser humano, o que alguns chamam de vazio, outros de falta, e são várias nomenclaturas designadas, mas o fato é que essa falta constituinte, acompanha a existência humana desde o nascimento até a morte.

O mundo contemporâneo vende a ilusão de que se você ter, será. Há uma lógica financeira muito forte, perversa e adoecedora por detrás do discurso de felicidade criado pela publicidade, vendido, estimulado e estampado na TV, no rádio, na internet e na mídia impressa. São alguns exemplos de objetos a serem conquistados: a casa, o carro, a moto, o corpo, o curso, o cabelo, a faculdade, a academia, o remédio, a jóia, o evento, a viagem, os passos, a dieta, o(s) emprego(s), o brinquedo, o ovo de páscoa, a maquiagem, a droga, o álcool, a comida, o sexo, o celular, a rede social e etc. E de repente você compra tudo, mas a falta continua ali, do seu ladinho, nada material é capaz de preenchê-la. A psicanálise considera que há algo estrutural que não tem como tamponar, há um resto que sempre fica e que causa um mal estar, mas que nem por isso é algo negativo, mas que pode ser potencializador, ressignificado, com função e efeito de ensinar.

O vínculo da Psicoterapia e sujeito

Há outro fenômeno crucial para o tratamento na Psicoterapia de orientação psicanalítica, chamado de transferência. Que nada mais é do que um fenômeno inevitável, que também acontece fora do processo de psicoterapia, na vida, aonde há relação entre o eu e o outro, existe transferência. São sentimentos, atitudes, fantasias, expectativas e desejos relacionados aos objetos do passado, mas que agora, são transferidos para as relações atuais. Essa transferência pode ser tanto positiva, quanto negativa, esta última, se dá quando o sujeito transfere sentimentos de ódio, indiferença e desprezo à(o) Psicóloga(o), mas tudo isso não pode ser empecilho para a evolução do tratamento, e sim material para reflexões, discussões e apontamento.

A figura do sujeito do suposto saber

A transferência ainda proporciona outro acontecimento criado pelo sujeito, da ordem do seu inconsciente, a figura do sujeito do suposto saber. O sujeito supõe e coloca a(o) Psicóloga(o) no lugar daquele que sabe o que ele tem. E cria expectativas de ouvir da(o) Psicóloga(o) à verdade sobre si. Esse movimento realizado pelo sujeito é importante para o tratamento. O sujeito precisa supor que a(o) Psicóloga(o) detém esse saber. É necessário, porque se o sujeito desenvolve essa crença, ele ouvirá as interpretações, as pontuações, os silêncios, ele experimentará essas formas de intervenção do psicólogo como relevantes. Mas ao longo do tratamento o sujeito precisa sair dessa crença de que é o psicólogo que sabe o que ele tem e descobrir que esse saber está nele mesmo. E esse saber vem do seu próprio inconsciente. Isso é fantástico! Não é?! O que acha?

Associação livre: fale livremente...

A regra fundamental da Psicoterapia de orientação psicanalítica é nomeada de Associação Livre, que consiste em falar tudo aquilo que vem a mente do sujeito no momento da Psicoterapia, sem vergonha e/ou pudor. Mas há um fenômeno oposto a essa regra fundamental, atende pelo nome de resistência. Que segundo a psicanalista francesa Élisabeth Rouadinesco nada mais é do que “o conjunto das reações de um analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculos ao desenrolar da análise”. E cabe ao trabalho em conjunto entre a(o) Psicóloga(o) e sujeito de avançar sobre esse fenômeno para a evolução do tratamento.

O que é a psicanálise? E qual o seu objetivo?

Cabe ainda destacar que a Psicanálise é uma ética. Que ética? A ética do desejo do sujeito. Que desejo? O desejo em Psicanálise não é nada da ordem do simples, do bonitinho e do tranquilo, diz de uma estrutura complexa, algo que dá muito trabalho ao sujeito. É aquilo que vive pulsando, que faz a gente levantar da cama, ir trabalhar, buscar coisas na vida, mas que vive encoberto e ameaçado de existir abertamente. O tratamento no processo de psicoterapia de orientação psicanalítica caminha no sentido de fazer o sujeito ir de encontro ao seu desejo e a partir daí refletir e decidir por conta própria pela sustentação de sua realização ou não.

A Psicoterapia de orientação psicanalítica e seus efeitos...

Por fim, é pertinente colocar que a Psicoterapia de orientação psicanalítica tem caráter contínuo. Ela não acontece só nos minutos preestabelecidos entre sujeito e Psicóloga (o) e dentro do setting terapêutico. Ela produz efeitos sobre o sujeito durante todo o seu cotidiano.

Referências:

Freud, S. (2006) O método psicanalítico de Freud. (V. Ribeiro, Trad.). Em J. Salomão (Org.), Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 7, pp. 234 - 240) Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1904).

Roudinesco, E., & Plon, M. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Caique dos Santos Oliveira
Caique dos Santos Oliveira

Humano, curioso, filho, irmão, tio, padrinho, amigo, LGBTQIA+ e escritor. Pós graduado em Psicologia Social pela Faculdade de São Lourenço – UNISEPE. Leitor e atento às questões que envolvem saúde mental e sociedade contemporânea propõe-se a trazer informações e levantar questões para provocar reflexões e favorecer diálogos. Instagram: @eucaiqueoliveira

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