Saúde Mental | LGBTQIA+

Saúde mental da população LGBTQIA+: na dúvida, substitua preconceito por informação correta.

O que você sabe sobre saúde mental da população LGBTQIA+? Quais ainda são as dúvidas ou tabus? Quais os dilemas enfrentados? O que está envolvido? Quais questões estão postas e quais podem ser caminhos? Esse artigo propõe-se a refletir e discutir sobre o assunto.

Saúde Mental da População LGBTQIA+: na Dúvida, Substitua Preconceito por Informação Correta

População LGBTQIA+, um breve histórico.

Historicamente a população LGBTQIA+ é excluída e marginalizada do acesso aos direitos, debates, visibilidade e representatividade no Brasil. A falta de interesse e informação sobre a existência e os dilemas dessa população são alguns fatores importantes para tal feito.

E começar falando das mudanças e significados da sigla LGBTQIA+ ao longo da história me parece pertinente. A sigla LGBTQIA+ evoluiu junto ao movimento para gerar inclusão e incentivar o respeito. Durante a virada dos anos 2000, a sigla LGBTQIA+ passou por várias mudanças, mas a pauta sempre permaneceu a mesma: respeito e inclusão de pessoas com diferentes orientações sexuais e identidades de gênero.

Movimento Homossexual do Brasil, GLS, GLBT, são as várias denominações que foram referenciadas a população LGBTQIA+ ao longo da história. A questão é que os termos anteriores restringiam e excluíam segmentos importantes da comunidade. Acredita-se que o termo atual (banalmente criticado por seu tamanho), inclua de fato todos aqueles cuja orientação sexual não corresponda ao padrão heterocisnormativo (comportamento padronizado heterossexual) vigente.

Mas o que significa a sigla LGBTQIA+? As letras que orientam e localizam.

L - Lésbicas. Mulher que é atraída afetiva e/ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo/gênero (cis ou trans) (GÊNERO, 2009).

G - Gays. Pessoa do gênero masculino (cis ou trans) que tem desejos, práticas sexuais e/ou relacionamento afetivo-sexual com outras pessoas do gênero masculino. Não precisam ter tido, necessariamente, experiências sexuais com outras pessoas do gênero masculino para se identificarem como gays (GÊNERO, 2009).

B - Bissexuais. É a pessoa que se relaciona afetiva e sexualmente com pessoas de ambos os sexos/gêneros (GÊNERO, 2009).

T - Travesti. Uma construção de gênero feminino, oposta ao sexo biológico, seguido de uma construção física de caráter permanente, que se identifica na vida social, familiar, cultural e interpessoal, através dessa identidade. (Definição da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais, aprovada pelo coletivo de participantes do ENTLAIDS, Rio de Janeiro, 2008; com colaboração adicional do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais, Negras e Negros; e adaptações de ABGLT, 2010; e CADERNO, 2017).

Transexual pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento. As pessoas transexuais podem ser homens ou mulheres, que procuram se adequar a identidade de gênero (CADERNO, 2017).

Q - Queer. Um adjetivo utilizado por algumas pessoas, em especial pessoas mais jovens, cuja orientação sexual não é exclusivamente heterossexual. De modo geral, para as pessoas que se identificam como queer, os termos lésbica, gay, e bissexual são percebidos como rótulos que restringem a amplitude e a vivência da sexualidade (GLAAD, 2016).

I - Intersexo. Combinação do que existe objetivamente no sexo biológico, como: órgãos, hormônios e cromossomos dos sexos masculino e feminino, presentes em uma só pessoa (SOMOSGAY, 2014; CADERNO, 2017).

A - Assexual. Indivíduo que não sente nenhuma atração sexual seja pelo sexo/gênero oposto ou pelo sexo/gênero igual (vide www.assexuality.org).

+. Abriga todas as diversas possibilidades de orientação sexual e identificação de gênero que existam.

O discurso que nos forma e desinforma

A máxima infeliz de que o homem foi feito para a mulher e vice-versa só existe no campo do discurso, a natureza não funciona assim. Estudos científicos comprovam a evidência de comportamentos homossexuais e bissexuais relatados no mundo animal, tais comportamentos englobam namoro, afeição, parentalidade e até ato sexual entre animais do mesmo sexo.

Como exemplo, uma pesquisa realizada pelo biólogo canadense Bruce Bagemihl, em 1999, atentou-se para o fato de comportamento homossexual em aproximadamente 1.500 espécies de animais, indo desde mamíferos até vermes intestinais, sendo que em 500 delas este comportamento foi bem documentado.

Portanto, a máxima supracitada, só se sustenta no campo do discurso, criado e idiotizado pelo homem. Muitos discursos religiosos ainda resistem, persistem, e fortalecem a dificuldade de compreensão pela existência digna da população LGBTQIA+.

O fenômeno da LGBTIfobia no Brasil

O medo, a aversão, ou o ódio irracional a todas as pessoas que manifestem orientação sexual ou identidade/expressão de gênero diferente dos padrões heteronormativos, mesmo pessoas que não são LGBTI+, mas são percebidas como tais, ou seja, a LGBTIfobia, infelizmente ainda é um fator presente, frequente e assustador na nossa cultura.

Para refletir, no decorrer do ano de 2021, cerca de 300 pessoas PERDERAM A VIDA para a violência LGBTfóbica no país, esse número representa um aumento de 8% em relação aos registros do ano de 2020. A estatística trás o fato aterrorizante de que uma morte é registrada a cada 29 horas, e o Brasil caminha liderando o ranking de países que mais matam pessoas LGBTQIA+. Os dados são do relatório “Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil – 2021”, divulgados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB).

Em suma, a discriminação é um comportamento de raiz preconceituosa com algo ou alguém. Já o preconceito é uma ideia preconcebida em relação a algo ou alguém, com base em estereótipos, podendo ou não se manifestar na forma de discriminação. O estereótipo é uma imagem fixa e preconcebida acerca de algo ou alguém. É o fundamento das crenças e dos preconceitos. (MONSANTO, p. 12, [201-?]).

Porque o desejo do outro me interroga? Uma leitura psicanalítica.

Para a psicanálise, dentro e fora não são conceitos tão didáticos quanto parecem. Na relação entre eu x outro, é o olho quem vê, lê e dispõe-se a interpretar. A partir daí, nascem movimentos curiosos e o sujeito passa a projetar no outro, pegar coisas do outro, idealizar e desvalorizar coisas, julgar que algumas coisas são muito melhores ou piores que as outras. Isso tudo confirma o fato de que somos imaginativos e criativos, não somos puro eu (consciência). Somos conexões e tudo que nos atravessa.

Em uma leitura através do arcabouço teórico da Psicanálise, em referência a homofobia e seus comportamentos derivados, podemos lançar ao debate, o fato de que o desejo do outro, quando te interroga, acaba revelando O TEU DESEJO. Ele revela algo SEU, que é tão insuportável para você, que você precisou colocar para fora, no caso, no outro.

A Psicologia e suas contribuições

A partir de 1990, a Psicologia no Brasil trilhou um caminho de atuação frente as minorias sociais, e essa passagem ficou marcada pelo Projeto de Compromisso Social da Psicologia, fundado na defesa de políticas sociais. A Constituição Federal de 1988 também foi essencial para embasar a atuação de profissionais da Psicologia com grupos excluídos. Portanto, estabeleceu-se uma nova relação entre as (os) Psicólogas (os) e o campo público: o conhecimento da Psicologia é disponibilizado para a elaboração de políticas públicas de Saúde e também para a garantia de direitos sociais (Polejack et al., 2015).

Em janeiro de 2018, no Dia da Visibilidade Trans, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução CFP 01/2018, que regulamenta a forma como a categoria deve atuar no atendimento a travestis e transexuais. Devem atuar de forma a contribuir para a eliminação da transfobia – compreendida como todas as formas de preconceito, individual e institucional, contra as pessoas travestis e transexuais. Orienta, ainda, que as e os profissionais não favoreçam qualquer ação de preconceito e nem se omitam frente à discriminação de pessoas transexuais e travestis. (BRASIL, 2018).

Como a população LGBTQIA+ chega na psicoterapia

Até certo tempo atrás, era frequente a população LGBTQIA+ chegar na psicoterapia com grande dificuldade de se aceitar. Hoje em dia isso tem mudado, há uma aceitação maior. A grande queixa hoje é a solidão, o medo de ficar só. De não ter uma companhia, o que se apresenta na cultura LGBTQIA+ atual como algo cada vez mais difícil.

A família: descoberta e reação.

Apesar do estado brasileiro ser laico e considerar todas as religiões, o Brasil é um país em sua maioria de formação cristã. Muitas famílias brasileiras ainda tentam embasar suas visões, criações e valores calcados no cunho religioso.

E diante desse cenário, a reação dos pais perante a descoberta da orientação sexual de seus filhos, muitas vezes é demonizada, mal compreendida, que trazem consigo marcas de sua história, cultura e crenças, fatores que também devem ser valorizados, discutidos e repensados. E essa reação disfuncional, por consequência desenvolve um enredo complexo, marcado por angústia, medos, insegurança, medos dos filhos não serem felizes, do preconceito e da violência praticada pela sociedade machista e patriarcal da qual fazem parte.

Rede de apoio e informação

Todos nós em algum momento ou é, ou conta com uma rede de apoio na vida. Essa rede de apoio, nada mais é do que companhias (pessoas, animais, grupos e etc.) que podemos contar, conversar, receber apoio, e dividir momentos difíceis da vida.

A rede de apoio é fundamental para a existência e o enfrentamento dos dilemas de qualquer pessoa LGBTQIA+. E se você é um LGBTQIA+ ou convive (faz parte da rede de apoio) com algum, além da presença, é importante a busca e o estudo de informações acerca do universo LGBTQIA+.

Estar atento às nomenclaturas, aos dilemas e aos conceitos fundamentais que permeiam a existência dessa população é necessário tanto para o seu desenvolvimento pessoal, quanto para o conforto do acolhimento a ser oferecido.

Por fim, é importante colocar que todos temos preconceitos, nascemos em contextos diferentes, em culturas diferentes, somos criados de modos diferentes, e em algum momento da nossa vida esbarramos nesse conceito. A questão está em assumir essa limitação, e se colocar disposto a aprender e mudar. E na dúvida, substitua preconceito por informação correta!

REFERÊNCIAS:

ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Manual de Comunicação LGBT. Curitiba: ABGLT, 2010.

BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução Nº 01/2018. Disponível em: Acesso em 21 abr. 2022.

CADERNO Globo 12. Corpo: artigo indefinido. São Paulo: Globo Comunicação e Participantes S.A., 2017

GÊNERO e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Livro de conteúdo. Versão 2009. – Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: SPM, 2009.

GLAAD. Media Reference Guide 2016. New York e Los Angeles, 2016. Disponível em: . Acesso em 20 ago. 2017

MONSANTO BRASIL. Aliança LGBTA. Cartilha. (n.d.)

Polejack, L., Totugui, M., Gomes, P., & Conceição, M. (2015). Atuação do psicólogo nas políticas públicas de saúde: caminhos, desafios e possibilidades. In L. Polejack, A. Vaz, P.

Gomes & V. Wichrowski (Org.), Psicologia e políticas públicas na saúde: Experiências, reflexões, interfaces e desafios (1a ed., pp. 31-48). Porto Alegre: Rede Unida

SOMOSGAY. Manual LGBT Paraguayo. Assunção, Paraguai: SOMOSGAY, 2014. Disponível em: . Acesso em 22 abr. 2022

Caique dos Santos Oliveira
Caique dos Santos Oliveira

Humano, curioso, filho, irmão, tio, padrinho, amigo, LGBTQIA+ e escritor. Pós graduado em Psicologia Social pela Faculdade de São Lourenço – UNISEPE. Leitor e atento às questões que envolvem saúde mental e sociedade contemporânea propõe-se a trazer informações e levantar questões para provocar reflexões e favorecer diálogos. Instagram: @eucaiqueoliveira

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